domingo, 10 de agosto de 2008

A escravidão, o Brasil de hoje e a Literatura.


“O Brasil é um país fundado sobre o trabalho forçado e o comércio de gente.” - Roberto Pompeu de Toledo

Como foi isso? E o que tem a ver conosco, hoje?

“Eles estavam por toda parte. Na lavoura, nas cidades. Dentro de casa, nas senzalas, fugidos no mato. Prestando serviços nas grandes cidades, como Rio de Janeiro e Salvador: vendendo água, comida, panelas, miçangas, badulaques. Exercendo ofícios especializados, como conta um observador da vida brasileira do século passado, o francês Jean-Baptiste Debret.

Eles eram carregadores, também. "Carregavam tudo nesse Brasil, onde homens de qualidade se recusavam a levar o mais ínfimo pacote", escreve a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, no livro Negros, Estrangeiros. Carregavam as cadeirinhas onde os brancos iam sentados, baús, caixas, caixões, caixotes, sacas de café, os barris com os dejetos produzidos nas casas, que logo cedo, às 6 da manhã, no Rio de Janeiro, procissões de negros iam jogar ao mar. Este foi um país de escravos. O maior país de escravos dos tempos modernos, talvez. Ou, pelo menos, o país moderno mais dependente de escravos. Ou, pelo menos, o maior e mais dependente de escravos do continente americano.

O Hino à República, aquele que pede à liberdade para que "abra as asas sobre nós", diz a certa altura:

“Nós nem cremos que escravos outrora
Tenha havido em tão nobre país... "

São versos espantosos. "Outrora" houve escravos. O hino é de 1890. Fazia dois anos, portanto, ainda havia escravos, talvez dentro da casa, ou pelo menos na porta do autor da letra, o poeta pernambucano Medeiros e Albuquerque. Como "outrora"? Dois anos é outrora? E a letra diz que nós "nem cremos" que tenha havido escravo. Como não cremos? Era só olhar em volta, ou um pouquinho para trás. Já tinha começado o processo de esquecimento que dura até hoje.
Um escravo podia ser objeto de compra, venda, empréstimo, doação, penhor, seqüestro, transmissão por herança, embargo, depósito, arremate e adjudicação, como qualquer mercadoria. Mas era uma mercadoria especial. Quando cometia um crime, era punido com os rigores do Código Penal. Por isso, o historiador Jacob Gorender escreveu: "O primeiro ato humano do escravo é o crime". Então ele virava gente, de pleno direito.

O historiador Luiz Felipe Alencastro, que última um aguardado livro sobre o assunto, O Trato dos Viventes, afirma: "A escravidão não dizia respeito apenas ao escravo e ao senhor. Ela gangrenava a sociedade toda, e criou um padrão de relações sociais e de trato político que deixou conseqüências graves". Para insistir em algo que nunca é demais repetir, o Brasil é um país criado na concepção de que trabalho é escravidão. Portanto, liberdade é não-trabalho.

Que significa para o Brasil, hoje, ter tido escravos?
O historiador baiano João José Reis responde: "Não acho que todos os problemas brasileiros, inclusive de relações entre as classes, tenham a ver com a escravidão. Mas o fato é que tivemos quase 400 anos de História em que os mais afortunados se acostumaram à noção de que os outros podem ser torturados. Isso pesa".

O historiador Manolo Garcia Florentino responde: "A escravidão foi a base a partir da qual se fundou uma civilização, para retomar Sérgio Buarque de Holanda, para quem o Brasil, por sua complexidade e diversidade, era uma civilização. Ela fundou a civilização brasileira. E ao fazê-lo viabilizou um projeto excludente, em que o objetivo das elites é manter a diferença com relação ao restante da população".

O historiador Flávio dos Santos Gomes: "É problemático pensar em continuidades. Se há no Brasil um sistema racial opressivo, não é necessariamente porque aqui houve escravidão. A explicação do racismo também se encontra no que ocorreu depois da abolição. É comum ouvir falar hoje em relações escravistas ou semi-escravistas no campo. Quando se diz isso, pensa-se num modelo que não é generalizante. Houve vários tipos de relação com escravos no Brasil. Houve, por exemplo, escravos a quem era permitido manter pequenas roças, fazer um pequeno comércio ou receber por dia. Ora, relações que hoje são tachadas de escravistas podem na verdade ser piores do que certos modelos que vigoraram na escravidão".

O historiador Luiz Felipe Alencastro: "A escravidão legou-nos uma insensibilidade, um descompromisso com a sorte da maioria que está na raiz da estratégia das classes mais favorecidas, hoje, de se isolar, criar um mundo só para elas, onde a segurança está privatizada, a escola está privatizada, a saúde".

Adaptado do artigo "À Sombra da Escravidão" de Roberto Pompeu de Toledo.

E olha o que dizia o Darcy Ribeiro:

O Brasil cresceu visivelmente nos últimos 80 anos. Cresceu mal, porém. Cresceu como um boi mantido, desde bezerro, dentro de uma jaula de ferro. Nossa jaula são as estruturas sociais medíocres, inscritas nas leis, para compor um país da pobreza na província mais bela da terra. Sendo assim, no Brasil do futuro, a maioria da gente nascerá e viverá nas ruas, em fome canina e ignorância figadal, enquanto a minoria rica, com medo dos pobres, se recolherá em confortáveis campos de concentração, cercados de arame farpado e eletrificado. Entretanto, é tão fácil nos livrarmos dessas teias, e tão necessário, que dói em nós... A nossa conivência culposa.
Sobre o(a) autor(a):Darcy Ribeiro, grande educador e antropólogo de impacto mundial. Foi Ministro da Educação com pouco mais de 30 anos, Ministro Chefe da Casa Civil, vice-governador do Rio e senador. Foi imortalizado pela Academia Brasileira de Letras.

Ele acertou o prognóstico?

Olha o que diz Gabriel, O pensador:

“Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar.O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar. E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado, que eu saiba falar Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá. Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar. Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar. Não peço arrego, mas onde que eu chego se eu fico no mesmo lugar? Brinquedo que o filho me pede, não tenho dinheiro pra dar. Escola, esmola! Favela, cadeia! Sem terra, enterra! Sem renda, se renda! Não! Não!!”

E O QUE TUDO ISSO TEM A VER COM LITERATURA?
Isso tem muito a ver com literatura, que muitas vezes foi escrita com um objetivo claro de fazer denúncia social. Grandes escritores de nossa literatura usaram como tema as várias mazelas brasileiras, como a escravidão, a desigualdade social, a concentração de terra, a corrupção, o analfabetismo, o voto de cabresto... E são tantas!
Nós vamos discutir mais sobre escravidão, por exemplo, quando formos estudar Castro Alves, o poeta dos escravos!
Ah, e lembrando que daqui a alguns minutos tem jogo da seleção brasileira de futebol nas olimpíadas, dêem uma olhadinha nessa charge: http://www.laboratoriodedesenhos.com.br/corrente_page.htm
Quer saber sobre o trabalho escravo hoje:

2 comentários:

Marcio Araujo disse...

Maravilhosa a seleção dos textos e esse estímulo feito a nossa reflexão. Realmente a realidade que temos muitas vezes não é observada. E muito do que temos percebido de uma forma geral não é mais que um conto de fadas em que o BRASIL É O PAÍS DO FUTURO. Quando pensamos a literatura nessa forma mais abrangente em que a história social é apresentada, certamente poderemos entender melhor o que é e o motivo pelo qual devemos ler e estudar literatura.

Alexandre Savéh disse...

Muito bom ver um espaço como este tratar de algo tão relevante para a sociedade, notadamente a raça humana. Lendo o texto, comprovamos que ainda não sabemos aquilo que deveríamos, e pior, desconhecemos um pouco daquilo que é fundamental para a análise e o entendimento da realidade. Escravidão, sofridão, tristeza, suor, sofrimento, atualidade, história, mídia, século XXI, política... Onde podemos encontrar tudo isso junto sem aquela formalidade chata que nos afasta de discussões importantes??? Na Literatura! Louvo essa idéia de incentivo à Literatura num tempo em que o livro cedeu lugar à televisão, o debate ao msn, o estudo ao shopping, a ignorância ao ''prazer em ser ignorante''. Nada contra TV, msn, leitura, shopping, mas isto nunca deve ser prioridade na vida daqueles que querem mudar essa merda de realidade.
.: Vou comentar sobre isso aqui em meu blog (alexandresaveh.blogspot.com) :.